terça-feira, 26 de novembro de 2013
''ESTE É O TEMPO''
Este é o tempo
Da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura
Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam
Sophia de Mello Breyner
In Mar Novo
terça-feira, 5 de novembro de 2013
''Jardim Perdido''
Jardim
em flor, jardim de impossessão,
Transbordante de imagens mas informe,
Em ti se dissolveu o mundo enorme,
Carregado de amor e solidão.
A verdura
das arvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava.
A luz trazia
em si a agitação
De paraísos, deuses e de infernos,
E os instantes em ti eram eternos
De possibilidades e suspensão.
Mas cada
gesto em ti se quebrou, denso
Dum gesto mais profundo em si contido,
Pois trazias em ti sempre suspenso
Outro jardim possível e perdido.
Sophia de Mello Breyner Andresen
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
APESAR DAS RUÍNAS E DA MORTE..
Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
Sophia de Mello Breyner Andresen
(in Poesia, 1944)
sábado, 5 de outubro de 2013
Navio Naufragado
Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.
É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.
Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.
E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves dos cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.
Sophia de Mello Breyner
in "Dia do Mar"
Quem como eu
Quem como eu em silêncio tece
Bailados, jardins e harmonias?
Quem como eu se perde e se dispersa
Nas coisas e nos dias?
Sophia de Mello Andresen
in Dia do Mar
Eis Que Morreste
Eis que morreste. Mortalmente triste
Divaga a flor da aurora entre os teus dedos
E o teu rosto ficou entre as estátuas
Velado até que o novo dia nasça.
Se nenhum amor pode ser perdido
Tu renascerás -- mas quando?
Pode ser que primeiro o tempo gaste
A frágil substância do meu sono.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Coral
Praia
Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.
Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixes.
Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas,
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.
As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.
E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Coral
Biografia
Tive amigos que morriam, outros que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-me na luz, no mar, no vento.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Mar Novo
Noite
Sozinha estou entre paredes brancas
Pela janela azul entrou a noite
Com seu rosto altíssimo de estrelas
Sophia de Mello Andresen
in - Mar Novo
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
OS DIAS DE VERÃO
Os dias de verão vastos como um reino
Cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é nosso corpo
Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é nosso corpo
O destino torna-se próximo e legível
Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem
Como se em tudo aflorasse eternidade
Justa é a forma do nosso corpo
Sophia de Mello Breyner Andresen
In Casario do Ginjal
ESTA GENTE
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in "Geografia"
DE UM AMOR MORTO
De um amor morto fica
Um pesado tempo quotidiano
Onde os gestos se esbarram
Ao longo do ano
De um amor morto não fica
Nenhuma memória
O passado se rende
O presente o devora
E os navios do tempo
Agudos e lentos
O levam embora
Pois um amor morto não deixa
Em nós seu retrato
De infinita demora
É apenas um facto
Que a eternidade ignora
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in "Geografia"
''As pessoas sensíveis''
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
“Ganharás o pão com o suor do teu rosto” Assim nos foi imposto
E não:
“Com o suor dos outros ganharás o pão”
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoais–lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
Sophia de Mello Breyner Andresen
Poema extraído do livro "Poemas escolhidos - Sophia de Mello Breyner Andresen", Cia. das Letras - São Paulo, 2004, pág. 151, seleção de Vilma Arêas.
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
“Ganharás o pão com o suor do teu rosto” Assim nos foi imposto
E não:
“Com o suor dos outros ganharás o pão”
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoais–lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
Sophia de Mello Breyner Andresen
Poema extraído do livro "Poemas escolhidos - Sophia de Mello Breyner Andresen", Cia. das Letras - São Paulo, 2004, pág. 151, seleção de Vilma Arêas.
terça-feira, 1 de outubro de 2013
MAR SONORO
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in Obra poética I
MEIO-DIA
Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo,
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso, solitário e antigo,
Parece bater palmas.
Sophia de Mello Breyner Andresen,,,,,
in Obra poética I
PRAIA
As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços.
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in Obra poética I
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
SENHOR LIBERTAI-NOS
«Senhor libertai-nos do jogo perigoso da transparência
No fundo do mar da nossa alma não há corais nem búzios
Mas sufocado sonho
E não sabemos bem que coisa são os sonhos
Condutores silenciosos canto surdo
Que um dia subitamente emergem
No grande pátio liso dos desastres»
Sophia de Mello Breyner Andresen
in: Geografia 1967
É POR TI QUE SE ENFEITA ...
Desgrenhada e florida, a Primavera
É por ti que a noite chama e espera
És tu quem anuncia o poente nas estradas.
E o vento torcendo as árvores desfolhadas
Canta e grita que tu vais chegar.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In ‘Dia do mar’ (1974)
O POEMA
O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo.
Sophia de Mello Andresen
In ‘Livro Sexto’ (1962)
AS TRÊS PARCAS
As três parcas que tecem os errados
Caminhos onde a rir atraiçoamos
O puro tempo onde jamais chegamos
As três parcas conhecem os maus fados.
Por nós elas esperam nos trocados
Caminhos onde cegos nos trocamos
Por alguém que não somos nem amamos
Mas que presos nos leva e dominados.
E nunca mais o doce vento aéreo
Nos levará ao mundo desejado
E nunca mais o rosto do mistério
Será o nosso rosto conquistado
Nem nos darão os deuses o império
Que à nossa espera tinham inventado.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in ‘’Mar Novo - I e II’ (1958)
O TEU ROSTO
Ficou o testemunho do teu rosto
Puro e verdadeiro como a morte
Ficou o teu rosto que ninguém conhece
O teu desejo sempre anoitecido
Ficou o ritmo exacto da má sorte
E o jardim proibido.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in ‘’Mar Novo - I e II’ (1958)
SENHOR
Senhor se da tua pura justiça
Nascem os monstros que em minha roda eu vejo
É porque alguém te venceu ou desviou
Em não sei que penumbra os teus caminhos
Foram talvez os anjos revoltados.
Muito tempo antes de eu ter vindo
Já se tinha a tua obra dividido
E em vão eu busco a tua face antiga
És sempre um deus que nunca tem um rosto
Por muito que eu te chame e te persiga.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in ‘’Mar Novo - I e II’ (1958)
PRIMEIRA LIBERDADE
Eu falo da primeira liberdade
Do primeiro dia que era mar e luz
Dança, brisa, ramagens e segredos
E um primeiro amor morto tão cedo.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In ‘Tempo Dividido’ (l954)
Do primeiro dia que era mar e luz
Dança, brisa, ramagens e segredos
E um primeiro amor morto tão cedo.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In ‘Tempo Dividido’ (l954)
INTACTA MEMÓRIA
Intacta memória - se eu chamasse
Uma por uma as coisas que adorei
Talvez que a minha vida regressasse
Vencida pelo amor com que a lembrei.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In ‘Tempo Dividido’ (l954)
COMO É ESTRANHA A MINHA LIBERDADE
As coisas deixam-me passar
Abrem alas de vazio p'ra que eu passe
Como é estranho viver sem alimento
Sem que nada em nós precise ou gaste
Como é estranho não saber
Sophia de Mello Breyner Andresen
In ‘Tempo Dividido’ (l954)
VI
Conheço tudo à força de não ser
Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite
Sophia de Mello Breyner Andresen
In ‘No tempo dividido’ (1954)
V
Não procures verdade no que sabes
Nem destino procures nos teus gestos
Tudo quanto acontece é solitário
Fora de saber fora das leis
Dentro de um ritmo cego inumerável
Onde nunca foi dito nenhum nome
Sophia de Mello Breyner Andresen
In ‘No tempo dividido’ (1954)
EURYDICE
Este é o traço em redor do teu corpo amado e perdido
Para que cercada sejas minha
Este é o canto do amor em que te falo
Para que escutando sejas minha
Este é o poema – engano do teu rosto
No qual busco a abolição da morte.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In ‘No tempo dividido’ (1954)
QUADRO
Indeciso ressurge do poente
Aureolado de espanto e de desastres
Em busca do seu corpo dividido
Todas as sombras se erguem das esquinas
E o seguem devagar nas ruas verdes
São como cães no rastro dos seus passos
Aberta a porta o quarto grave surge
E os espaços oscilam nas janelas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'No tempo dividido' (1954)
SONETO DE EURYDICE
Eurydice perdida que no cheiro
E nas vozes do mar procura Orpheu:
Ausência que povoa terra e céu
E cobre de silêncio o mundo inteiro.
Assim bebi manhãs de nevoeiro
E deixei de estar viva e de ser eu
Em procura de um rosto que era o meu
O meu rosto secreto e verdadeiro.
Porém nem nas marés, nem na miragem
Eu te encontrei. Erguia-se somente
O rosto liso e puro da paisagem.
E devagar tornei-me transparente
Como morte nascida à tua imagem
E no mundo perdida esterilmente.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In ‘No tempo dividido’ (1954)
EXCERTO
A liberdade que dos deuses eu esperava
Quebrou-se. As rosas que eu colhia,
Transparentes no tempo luminoso,
Morreram com o tempo que as abria.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in “Poemas escolhidos”.
A MEMÓRIA LONGÍNQUA DE UMA PÁTRIA...
A memória longínqua de uma pátria
Eterna mas perdida e não sabemos
Se é passado ou futuro onde a perdemos.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in “Poemas escolhidos”.
CORPO
Corpo serenamente construído
Para uma vida que depois se perde
Em fúria e em desencontro erguidos
Contra a pureza inteira dos teus ombros.
Pudesse eu reter-te no espelho
Ausente e mudo a todo outro convívio
Reter o claro nó dos teus joelhos
Que vão rasgando o vidro dos espelhos.
Pudesse eu reter-te nessas tardes
Que desenhavam a linha dos teus flancos
Rodeados pelo ar agradecido.
Corpo brilhante de nudez intensa
Por sucessivas ondas construído
Em colunas assente como um templo.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in Mar Novo - I e II - (1958)
NÃO TE OFENDEREI COM POEMAS
Param os meus olhos quando penso em ti
Não farei do meu remorso um canto
Com árvores e céus mas sem poemas
Demasiado humano para poder ser dito
O teu mundo era simples e difícil
Quotidiano e límpido
Sophia de Mello Breyner Andresen
in Mar Novo - I e II - (1958)
A ANÉMONA DOS DIAS
Aquele que profanou o mar
E que traiu o arco azul do tempo
Falou da sua vitória
Disse que tinha ultrapassado a lei
Falou da sua liberdade
Falou de si próprio como de um Messias
Porém eu vi no chão suja e calcada
A transparente anêmona dos dias.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in Mar Novo - I e II - (1958)
DATA
Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo da ameaça.
Sophia de Mello Breyner
ACORDO QUANDO OS MUROS SÃO O MEDO...
Acordo quando o tempo cai contado,
E no meu quarto entra o arvoredo,
E se desfolha ao longo dos meus membros.
Acordo quando a aurora nas paredes
Desenha nardos brancos e macios,
Acordo quando o sono vos convence
De que sois rios.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Poemas escolhidos' 2004
TERROR DE TE AMAR NUM SITIO TÃO FRÁGIL COMO O MUNDO.
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Poemas escolhidos' 2004
CONFUNDINDO OS SEUS CABELOS...
têm o corpo feliz de ser tão seu e tão denso em plena liberdade.
Lançam os braços pela praia fora e a brancura dos pulsos penetra nas espumas.
Passam aves de asas agudas e a curva dos seus olhos
prolonga o interminável rastro no céu branco.
Com a boca colada ao horizonte aspiram longamente
a virgindade de um mundo que nasceu.
O extremo dos seus dedos toca o cimo de delícia
e vertigem onde o ar acaba e começa.
E aos seus ombros cola-se uma alga, feliz de ser tão verde.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Poemas escolhidos' 2004
DIA DO MAR NO AR...
Com sombras de cavalos e de plumas.
Dia do mar no meu quarto – cubo
Onde os meus gestos sonâmbulos deslizam
Entre o animal e a flor como medusas.
Dia do mar no ar, dia alto
Onde os meus gestos são gaivotas que se perdem
Rolando sobre as ondas, sobre as nuvens.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In 'Poemas escolhidos' 2004
AS MINHAS MÃOS MANTÉM AS ESTRELAS
Seguro a minha alma para que se não quebre
A melodia que vai de flor em flor,
Arranco o mar do mar e ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Poemas escolhidos' 2004
DEPOIS DA CINZA MORTA DESTES DIAS...
Quando o vazio branco destas noites
Se gastar, quando a névoa deste instante
Sem forma, sem imagem, sem caminhos,
Se dissolver, cumprindo o seu tormento,
A terra emergirá pura do mar
De lágrimas sem fim onde me invento.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Poemas escolhidos' 2004
PRA MINHA IMPERFEIÇÃO...
Em cada flor da terra um tédio imenso.
Todo o milagre, toda a maravilha
Torna mais funda a minha solidão.
E todo o esplendor pra mim é vão,
Pois não sou perfeição nem maravilha.
As flores, as manhãs, o vento, o mar
Não podem embalar a minha vida.
Imperfeita não posso comungar
Na perfeição aos deuses oferecida.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Poemas escolhidos' 2004
MAIS
terça-feira, 24 de setembro de 2013
''Dia de Hoje''
Ó dia de hoje, ó dia de horas claras
florindo nas ondas, cantando nas florestas,
no teu ar brilham transparentes festas
e o fantasma das maravilhas raras
visita, uma por uma, as tuas horas
em que há por vezes súbitas demoras
plenas como as pausas dum verso.
Ó dia de hoje, ó dia de horas leves
bailando na doçura
e na amargura
de serem perfeitas e de serem breves.
Sophia de Mello Breyner Andresen
florindo nas ondas, cantando nas florestas,
no teu ar brilham transparentes festas
e o fantasma das maravilhas raras
visita, uma por uma, as tuas horas
em que há por vezes súbitas demoras
plenas como as pausas dum verso.
Ó dia de hoje, ó dia de horas leves
bailando na doçura
e na amargura
de serem perfeitas e de serem breves.
Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, 15 de setembro de 2013
CASA
A antiga casa que os ventos rodearam
Com suas noites de espanto e de prodígio
Onde os anjos vermelhos batalharam
A antiga casa de inverno em cujos vidros
Os ramos nus e negros se cruzaram
Sob o Íman dum céu lunar e frio
Permanece presente como um reino
E atravessa meus sonhos como um rio
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
In Geografia
BARCO
Margens inertes abrem os seus braços
Um grande barco no silêncio parte.
Altas gaivotas nos ângulos a pique,
Recém-nascidas à luz, perfeita a morte.
Um grande barco parte abandonando
As colunas de um cais ausente e branco.
E o seu rosto busca-se emergindo
Do corpo sem cabeça da cidade.
Um grande barco desligado parte
Esculpindo de frente o vento norte.
Perfeito azul do mar, perfeita a morte
Formas claras e nítidas de espanto
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
In Coral
AS MINHAS MÃOS
As minhas mãos mantêm as estrelas,
Seguro a minha alma para que se não quebre
A melodia que vai de flor em flor,
Arranco o mar do mar e ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
In Coral, 1950
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
TERROR DE TE AMAR
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In Poemas de Amor
COMO O RUMOR
Como o rumor do mar dentro de um búzio
O divino sussurra no universo
Algo emerge: primordial projecto
Sophia Mello Breyner Andresen
In Poemas Escolhidos
Assinar:
Postagens (Atom)